Mauricio Waldman

2012: Com o Gatão, felino decano da casa          2010: Palestrando na Câmara de Joinville           2006: Foto Verbete Wikipedia English Edition

Mauricio Waldman

1990: Autografando Conversão da Dívida      2004: Palestra Águas Globais em Ribeirão Pires       2010: Feira Internacional do Livro São Paulo

Mauricio Waldman

1990: Em evento na Represa Billings, no ABC           1999: Diretor da escola da FEBEM                       1996: Treinando Arco e Flecha outdoor

Mauricio Waldman

2011: Encontro Ambiental de Marabá, Pará   1998: Encontro Nacional de Geógrafos, Bahia    2015: Instituto Federal do Sul de Minas

Mauricio Waldman

1991: Secretário de Governo em São Bernardo     2006: Autográfos Editora Senac         2012: Com Rainhas e Princesas do Samba paulistano

segunda-feira, 23 de novembro de 2020

 


O grande líder britânico Winston Churchill, conhecido pelo seu pendor por vaticínios, fez em 1932 uma polêmica declaração: “Daqui a cinquenta anos, nos livraremos do absurdo de criar um frango inteiro par comer o peito ou a asa, e então, cultivaremos essas partes separadamente em um meio adequado. Alimento sintético, obviamente, será usado no futuro”.

 

Churchill errou no prazo, mas acertou na mosca quanto ao vaticínio, que começou a se consolidar pouco após, nos finais da década de 1990, quando a agência espacial norte-americana NASA, ficou extremamente seduzida com a proposta de produzir cultivated meat (carne cultivada), também conhecida como lab-grown meat, cultured meat, healthy meat, clean meat (carne limpa, em vista de não conter patógenos), slaughter-free meat (carne livre de abate) ou ainda, carne in-vitro (definição esta, de cunho laboratorial).

 

Este interesse da NASA justificava-se pelo óbvio motivo de que a lab-grown meat poderia garantir o abastecimento de proteína obtida a partir de células-tronco para longos trajetos espaciais e alimentar os futuros colonizadores dos demais astros do Sistema Solar. Inúmeras agências, universidades e centros de pesquisa em todo o mundo desenvolvido seguiram os passos da NASA, empreitada que a partir do ano 2000 começou a explicitar resultados palpáveis da agricultura celular.

 

Assim sendo, o Simpósio Carne In-Vitro, realizado na Noruega em 2008, apresentou processos de produção de carne cultivada em biorreatores, tanques gigantescos que geravam proteína vermelha com gosto, textura e qualidade absolutamente similar e competitiva com a pastorícia tradicional de bovinos, ovinos e suínos, e igualmente, oferecendo carne de ave no mesmo padrão.

 

Desde então, os avanços da agricultura celular cresceram a passos de gigante. No ano de 2013, o farmacologista Mark Post, professor da Universidade de Maastricht (Países Baixos), apresentou durante o encontro anual do Fórum Econômico Mundial (World Economic Forum) uma matriz operacional escalável para a carne cultivada na forma do primeiro hambúrguer cultivado em biorreator, uma conferência verdadeiramente icônica em face da enorme repercussão que obteve (Conferir aqui a conferência do Professor Mark Post no vídeo postado pelo World Economic Forum).

 

Mais ainda, os progressos obtidos no campo da biotecnologia abriram espaço para o surgimento de novas empresas e empreendimentos com base na agricultura celular. É assim que na semana que seguiu, o Jornal Jerusalem Post informou a abertura em Israel, do primeiro restaurante do mundo a oferecer carne cultivada à sua clientela: a cantina Chicken, cujo nome (“galinha” em inglês), propõe uma paródia ao dilema pseudo-intelectual a respeito dos galináceos precederem o ovo ou o contrário.

 


Este restaurante, localiza-se ao lado da empresa SuperMeat - fabricante de lab-grown meat - em Nes Tziona, subúrbio de Tel Aviv e em primeira mão, disponibiliza dois tipos de hambúrguer de frango no seu cardápio.  Nas palavras de Ido Savir, simpático CEO da SuperMeat, o recheio do hambúrguer “tem sabor suculento de frango, crocante por fora e macio por dentro, com sabor indistinguível do sabor dos animais abatidos” (Confira aqui o anúncio do restaurante Chicken: https://thechicken.kitchen/).


Atualmente, os clientes não pagam porque o restaurante ainda está em fase de teste comercial experimental e no mais, a atividade aguarda regulamentação por parte das autoridades israelenses. Contudo, mesmo assim, a procura pela novidade tem gerado filas imensas, daí que as mesas do Chicken devem ser reservadas com antecedência. No mais, como contrapartida à gratuidade, os comensais são solicitados a responder perguntas sobre o produto e oferecer um feedback.

 

Confira-se que a SuperMeat foi criada em 2015 para oferecer alternativa às carnes cuja produção exige sofrimento animal (sem meias palavras, todas as carnes, sem qualquer exceção). A empresa pretende lançar sua carne à base de células nas redes de restaurantes dentro de um a dois anos e aumentar a produção com fábricas em escala comercial em cinco anos, passando inclusive a exportar o produto. Sublinhe-se que SuperMeat não está sozinha: é acompanhada de mais cinco destacadas empresas israelenses, integrantes da seleta lista das 30 maiores indústrias globais deste novo - e promissor - ramo de atividades.

 

Note-se que Israel, país menor que Alagoas, mas consensualmente definido “a maior nação start up do mundo”, cujo território não dispõe de nenhum recurso natural de monta (em larga medida um espaço árido e semiárido), além de constituir um pais de ponta na agricultura celular, já está avançando em processos de impressão 3d de alta resolução para inúmeros tipos de carnes e peixes, patentes que cedo ou tarde, irão revolucionar profundamente o mercado global.



Certo é, existem problemáticas religiosas e éticas envolvendo a slaughter-free meat. Em Israel, por exemplo, os rabinos estão divididos a respeito da cultived meat, assim como os imans muçulmanos. Ambos se preocupam como fato da carne cultivada em laboratório estar ou não isenta dos requisitos tradicionais que tornariam este produto kosher (para os judeus) ou halal (para os muçulmanos). Há quem diga que as leis religiosas não se aplicam para a cultivated meat. Contudo, de igual modo há quem pense e afirme o contrário.

 

A mais ver, uma pontuação, entretanto, se impõe: a ponderação ambientalista de que a slaughter-free meat contribuirá para reduzir as emissões de Gases de Efeito Estufa (GEE), permitirá o consumo de proteína vermelha para bilhões de pessoas de baixa renda e fará cessar as derrubadas e queima de florestas, atividade associada em especial à criação bovina e ao agronegócio.

 


A pecuária em geral, mas particularmente a bovina, é uma atividade perdulária em água e onerosa em recursos. Ocupa vastas extensões de terras que com maior justiça, deveriam estar voltadas para produzir grãos e garantir o equilíbrio dos ecossistemas, agredidos como nunca (Ver neste sentido, dados consignados em WALDMAN, 2019 e 2018a).


Deste modo, 30% da superfície do Planeta, atualmente dedicada à pecuária, poderão ser reflorestados, acabando de uma vez por todas com o fantasma do aquecimento global. Isto sem contar que 40% da produção mundial de cereais, consumida pelos rebanhos em todo o mundo, poderá ser remanejada e alimentar centenas de milhões de esfomeados, muitos dos quais, descendentes de grupos cujas terras, lhes foram, numa ampla coleção de casos, indevidamente apropridas pela ação truculenta dos criadores de gado.

 

Finalmente, o horror dos matadouros e das fazendas de criação pecuária, envolvendo dores, tormentos, maus-tratos, abusos, tortura, confinamento e mutilações para centenas de milhões de bichos confinados, deixará de ocorrer para sempre.


Sigamos então pelo que está por acontecer: em breve.


MAURÍCIO WALDMAN
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REFERÊNCIAS

 


Livros e Artigos

 

CHURCHILL, Winston. Fifty Years Hence. In: “Thoughts and Adventures”, coletânea de ensaios de Churchill. Acesso on line em:

http://rolandanderson.se/Winston_Churchill_Predictions.php

 

DIAMANDIS, Peter et KLOTER, Steven. Abundância: O Futuro é Melhor do que Você Imagina. São Paulo (SP): HSM Editora. 2012;

 

WALDMAN, Maurício. Água: Escassez e Conflitos no Império da Sede. Coleção Água em Foco Nº. 1, segunda edição, revisada. São Paulo (SP): Editora Kotev. Acesso on line em: https://www.academia.edu/39724187/%C3%81GUA_ESCASSEZ_E_CONFLITOS_NO_IMP%C3%89RIO_DA_SEDE . 2019;

 

WALDMAN, Maurício. Recursos Hídricos: Impactos da Produção dos Alimentos e dos Resíduos Orgânicos. Série Gastronomia, Culinária e Alimentação Nº. 2. São Paulo (SP): Editora Kotev. Acesso on line em:

https://www.academia.edu/39744365/RECURSOS_H%C3%8DDRICOS_IMPACTOS_DA_PRODU%C3%87%C3%83O_DOS_ALIMENTOS_E_DOS_RES%C3%8DDUOS_ORG%C3%82NICOS . 2018a;

 

WALDMAN, Maurício. A Incrível Árvore dos Gansos. Série Meio Ambiente Nº. 6. São Paulo (SP): Editora Kotev. Acesso on line em:

https://www.academia.edu/39789904/A_INCR%C3%8DVEL_%C3%81RVORE_DOS_GANSOS . 2018b.



Webgrafia

 

Conferência The Meat Revolution no World Economic Forum pelo Professor Mark Post, da Universidade de Maastricht sobre carne in vitro (20:16 minutos):

https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/transcoded/2/2d/The_Meat_Revolution_Mark_Post.webm/The_Meat_Revolution_Mark_Post.webm.480p.vp9.webm

 

World’s first lab-grown meat restaurant opens near Tel Aviv, por Cnaan Liphshiz Jerusalem Post 20-11-2020, 21:38 (hora local):

https://www.jpost.com/health-science/worlds-first-lab-grown-meat-restaurant-opens-near-tel-aviv-649762

 

Israeli start-up aims to print real meat from cellular ink, por Eythan Halon, Jerusalem Post, 26-01-2020, 19:46 (hora local):

https://www.jpost.com/israel-news/israeli-start-up-aims-to-print-real-meat-from-cellular-ink-615151

 

How Israel Became The Most Promising Land For Clean Meat, por Davide Banis, Revista Forbes, 17-10-2018, 7:32 (hora local):

https://www.forbes.com/sites/davidebanis/2018/10/17/how-israel-became-the-most-promising-land-for-clean-meat/?sh=2326c34d51cb

 

World’s first cell-based chicken restaurant opens in Israel, por Anna  Starostinetskaya, in Veg News, 8-11-2020:

https://vegnews.com/2020/11/world-s-first-cell-based-chicken-restaurant-opens-in-israel

 

Schnitzel from a petri dish? Israeli start-up to grow chicken meat in labs, por Niv Elis, 12-07-2016, 20:51 (hora local):

https://www.jpost.com/business-and-innovation/schnitzel-from-a-petri-dish-israeli-start-up-to-grow-chicken-meat-in-labs-460191

 

 


segunda-feira, 6 de abril de 2020

FUNDO ELEITORAL COMPRARIA SEIS BILHÕES DE MÁSCARAS



No frigir da pandemia do Coronavírus, uma matéria publicada aos 18 de Março pela revista Exame, informava a respeito de Projeto dos senadores Randolfe Rodrigues (Rede-AP) e Major Olimpio (PSL-SP), ambos propondo o repasse dos recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (conhecido como Fundão Eleitoral), e do Fundo Especial de Assistência Financeira aos Partidos Políticos (Fundo Partidário), como contribuição do Legislativo no enfrentamento do Covid-19.

Em números, note-se que no mês de janeiro, o presidente Jair Bolsonaro sancionou integralmente a Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2020, que inclui R$ 2 bilhões (Fundão) para financiar as campanhas dos candidatos nas eleições municipais de outubro.

Para temperar ainda mais o numerário destinado aos nobres deputados, os partidos que representam contam ainda com mais R$ 1 bilhão do Fundo Partidário para as despesas com as atividades das legendas. 

Total desta verdadeira afronta aos milhões brasileiros que pagam duramente seus impostos com o suor do seu rosto: R$ 3 bilhões. 

Atente-se que este montante, seria suficiente para comprar Seis Bilhões de máscaras, ou 30 máscaras para cada brasileiro (recordando que o IBGE estimou em 209 milhões os habitantes do país em Janeiro de 2020). 

Para chegar a tal número, o autor deste texto baseou-se em notas púbicas de diversos prefeitos de São Paulo, que em entrevistas para a imprensa, comentando a dificuldade de obter este produto, revelaram que o preço contratado oscila entre R$ 0,39/ R$ 0,48. Logo, arredondando o preço unitário para R$ 0,50, chegamos ao total de Seis Bilhões de máscaras.

Claro está, a dinheirama reservada aos partidos resvala em aspectos éticos. Para não me alongar muito, sublinhe-se que o país tem assistido nos últimos anos (e não apenas no governo de Jair Bolsonaro), sucessivos cortes em áreas vitais como Saúde e Educação.

Tornando ainda mais inaceitável a grotesca drenagem de dinheiro público para os partidos políticos, cujas bancadas estão por sinal  envolvidas em diversos casos com escândalos de todo tipo, recorde-se que em 2019, no mesmo lapso de tempo em que o Fundão era aprovado, que a CAPES, agência responsável pelo financiamento de Bolsas de Pesquisa, sofria um corte de R$ 819 milhões.

Entretanto, o mais pavoroso deste verdadeiro teatro de horrores, é que apesar da pressão da opinião pública em favor do contingenciamento da verba dos partidos para irrigar os serviços de saúde pública contra o coronavírus, epidemia que certamente, terá como vítimas preferenciais os milhões de miseráveis deste país, o Congresso deixou morrer a proposta.

Para tanto, os congressistas contam a amnésia coletiva, imantada no mais das vezes pela renovada, inventiva e persistente capacidade dos atores políticos se superarem nos tormentos que tiram do Baú de Maldades para infernizar a vida da população.

E um destes repiques de perversidade, é certamente fazer de conta que a proposta de repassar o dinheiro reservado aos partidos - que recordo uma vez mais, é público -, para a saúde, permitindo, por exemplo, a aquisição de Seis Bilhões de máscaras, simplesmente não é com eles.


MAURÍCIO WALDMAN
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terça-feira, 25 de fevereiro de 2020

CHARLES BRONSON: O ÍNDIO QUE VEIO DA LITUÂNIA


O ator norte-americano Charles Bronson (1921-2003), foi um dos mais famosos intérpretes da indústria de sonhos de Hollywood. Sempre interpretando personagens durões, Bronson celebrizou-se em papéis nos quais destacava-se pelo estilo “bobeou levou chumbo”, “atire primeiro e pergunte depois” ou então, “bateu, levou”.

A popularidade do astro rendeu-lhe uma verdadeira fortuna. Sendo sucesso de bilheteria por definição, o artista faturava alto em cachês milionários. Nos anos 1970, enchia o bolso com um milhão de dólares por filme rodado.

Mas, se a trajetória de Bronson como artista de cinema era unanimidade, a origem do ator sempre foi alvo de controvérsias. O motivo: os traços do ator, a começar pelos olhinhos puxados, que eram entendidos como sinal de ascendência indígena, mexicana ou então, como fruto de algum tipo de mestiçagem com não-europeus.

Ledo engano. Bronson, nascido Karolis Dionyzas Bučinskis e registrado no cartório de Ehrenfeld, na Pensilvânia, como Charles Dennis Buchinsky (transliteração de Bučinskis), era filho de pai lituano e de mãe polonesa, ambos muito pobres, que sobreviviam a duras penas para criar os 14 irmãos e irmãs do futuro astro na região das minas de carvão dos Montes Apalaches.

Todavia, não só isso. O pai de Charles Bronson, Valteris Bučinskis, não pertencia à etnia lituana, majoritária no país de onde imigrou para os EUA. Valteris era tártaro, membro de uma minoria étnica em grande parte muçulmana (Valteris era católico), conhecida como lipka tatar na Lituânia e como tatarzy polscy, na Polônia, povo que alcançou a Europa Oriental junto com os exércitos do temido (e terrível) Gengis Cão.

Instalados no Reino Dual da Polônia-Lituânia, durante séculos os tártaros serviram com grande brilho na cavalaria (por sinal, uma típica expertise mongol) e como soldados de elite nos exércitos dos países adotivos, saindo-se vitoriosos em sucessivas batalhas contra invasores e agressores estrangeiros.

No Século XX, milhares de tártaros poloneses e lituanos imigraram para os Estados Unidos, seguindo para diversas regiões da terra do Tio Sam e em particular, formando uma sólida comunidade islâmica, The Islamic Center of Polish Tatars, no bairro do Brooklin, em Nova York.

A este respeito, breve parêntese: Um tio avô polonês, que imigrou para os States nos anos 1930, morava próximo da mesquita dos tártaros. Estranhando o visual destes adeptos da fé de Maomé, foi informado pelos vizinhos de que eram índios convertidos ao islamismo

Meu tio avô não gostou dos Estados Unidos e retornou para a Polônia, aonde viria a morrer durante o Holocausto. Contudo, passou a narrativa deste episódio sobre os tártaros aos parentes e assim, esta história chegou aos meus ouvidos quando criança.

Voltando ao nosso fake índio, que obviamente era a cara do pai (honrando o dito popular “tal pai, tal filho”), Bronson sempre assumiu sua identidade lipka tatar e lituana (falava lituano fluentemente), e no caso do país de origem do pai, sua lealdade motivou-o a mudar de sobrenome.

Inconformado com a ocupação soviética da Lituânia, que manietou o povo lituano numa autêntica algema de lágrimas, e sendo anticomunista de carteirinha, Bronson tirou do RG o sobrenome Buchinsky (americanizado para Bronson), que soava como sendo russo, fato que criava ainda mais confusão para alguém que era tido como índio. Por esta via, quem sabe, não poderia ser definido  como um índio russo?

Assim sendo, o falso índio (ou mexicano) Charles Bronson nos demonstra a volubilidade das paixões humanas. Para os que gostavam de Bronson, nunca importou a origem do célebre ator. Por outro lado, a genealogia muitas vezes é recordada como um handicap dirigido aos que não são gostados.

O caso de Bronson revela também o papel pivotante das percepções e dos estereótipos, que por sua inconsistência, nos lembram, uma vez mais, que o importante mesmo é o que a pessoa é. A origem, tanto faz.

Disto decorre uma nota essencial: cada um é o que é, e esta condição não pode ser objeto de estigmas, nem de exclusão. Apenas deve ser aceita. Simples assim.


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Charles Bronson was an American actor who had Tatar roots:

Learn More about the Tatar people:

In the Footsteps of Poland's Only Muslim Minority: 

terça-feira, 18 de fevereiro de 2020

OS AFRO-HÚNGAROS DO SUDÃO



Deve-se ao padre e escritor humanista francês François Rabelais (1483-1553), a máxima que segue: A África sempre traz alguma coisa nova, uma prédica que o autor deste texto, como antropólogo africanista, não tem nenhuma dificuldade em confirmar.

O dado novo deste texto (ao menos, creio eu, para a maioria dos possíveis leitores), é a existência de uma comunidade de africanos descendentes de húngaros que está desde séculos, assentada na Núbia, no Norte do Sudão.

Nos anos 1930, o explorador húngaro László Almásy (1895-1951), misto de aventureiro e estudioso da África, encetou expedições no continente com repercussão internacional.

Com efeito, László Almásy organizou as primeiras expedições motorizadas que atravessaram o Saara, percorrendo o interior do deserto, o vale do rio Nilo e alguns dos sítios menos conhecidos do Planeta, como a Meseta de Gilf el Kebir e o enigmático Oásis Zarzura, rincões localizados nos confins fronteiriços saarianos da Líbia e do Egito.

Assim foi que em 1935, atravessando a região do Wady Halfa, no norte sudanês, László descobriu um grupo inteiro de núbios, autoproclamados magyarabs, que mesmo separados por séculos da nação húngara, mantinham claro sentimento de identidade própria, entendendo-se como diferentes de todos os demais vizinhos.

Com efeito, pesquisas de László Almásy e de vários antropólogos, confirmaram que de fato, os magyarabs, resultaram da mestiçagem de soldados húngaros a serviço do Império Otomano que chegaram à Núbia no início do Século XVI, quando então, se uniram a mulheres africanas locais. Contudo, sempre mantendo consciência de uma linhagem húngara.

De fato, esta compreensão está explicitada no próprio nome do grupo: o etnônimo magyarab, composto de dois termos: magyar (como os próprios  húngaros se autodefinem) e ab (significando tribo, ramo ou linhagem no idioma núbio), desdobrando-se, pois numa tradução direta, em “tribo dos magiares”.

Os magyarabs, atualmente somariam, a considerar as estimativas de Mohamed Hasan Osman, porta-voz da Associação dos Magyarabs, entre 50 a 60 mil pessoas. Outras fontes, como o orientalista István Fodor, calcula seu número entre 10 a 12 mil. Porém, independentemente do número exato, o que ninguém põe em questão é que os magyarabs são por definição, “a tribo húngara da África”.

Atualmente, os magyarabs ocupam vilarejos próximos do Lago Nasser, reservatório que surgiu a partir de 1960 com a construção da represa de Assuã e que inundou o território ancestral do grupo, a região do Wadi Halfa, que por sinal, apresenta topônimos derivados da palavra magiar.

No mais, a “tribo perdida" dos húngaros na África, mesmo que de há muito tenham deixado de falar húngaro e de praticar o cristianismo, não deixaram de se considerar magiares, tanto assim que orgulhosamente ingressaram em 1992 na Federação Mundial de Húngaros.

O governo da Hungria não deixou por menos, apoiando os magyarabs, que resguardando forte identidade como húngaros, têm estreitado as relações com o país que afetuosamente entendem como a terra dos seus antepassados.

Faz séculos, quando perguntados sobre a sua origem, os magyarabs respondem: "Ana magyar". Isto é: Eu sou húngaro

Com tamanha resiliência à mostra, quem pode duvidar disso?


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MORE INFO:
Magyarabs, el pueblo nubio que procede de húngaros del siglo XVIMagazine Cultural Independente - La Brújula Verde

O topônimo magyarab consta no Mapa Topográfico da região de Wadi Halfa, bem próximo da fronteira com o Egito, peça elaborada pelo British War Office and Air Ministry em 1960, disponível on line em:

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2020

A CONSPIRAÇÃO DO CORONAVÍRUS


Para a teoria da conspiração que tem circulado, argumentando que o coronavírus escapou ou foi liberado por “alguém”, parte da mídia do Oriente Médio já tem a resposta: foi uma conspiração dos EUA e Israel para arruinar a economia chinesa.

Além do coronavírus, os dois países são também apontados como responsáveis por outros surtos epidêmicos na China e no mundo árabe, assim informa o Instituto de Pesquisa em Mídia do Oriente Médio (MEMRI).

No início de fevereiro, o jornal oficialista sírio Al-Thawra afirmou: “Do Ebola, Zika, SARS, gripe aviária e gripe suína, passando pelo antraz e pela doença da vaca louca até o vírus corona, todos esses vírus mortais foram fabricados pelos EUA e ameaçam aniquilar os povos do mundo” [ ... ] “Os EUA transformaram a guerra biológica em um novo tipo de guerra, com o qual pretendem mudar as regras do jogo e desviar os conflitos do caminho convencional”.

Já o site de notícias egípcio Vetogate.com aprimorou mais ainda a narrativa, especificando o modus operandi dos conspiradores: “As fábricas americanas são as primeiras a fabricar todo tipo de vírus e bactérias, do vírus da varíola virulenta e do vírus da peste bubônica a todos os vírus que vimos nos últimos anos, como a doença da vaca louca e a gripe suína", afirmou o site.

Do mesmo modo, o site egípcio comenta as motivações econômicas, dado que os supostos mentores da difusão do vírus captariam “bilhões de dólares gastos na China em tratamentos e medicamentos de emergência”, que a propósito, informa Vetogate.com “serão fabricados por uma empresa israelense”.

A respeito do relatado, cabem os reparos:

1.  A imprensa árabe extremista tem ao longo dos anos colecionado “conspirações sionistas”: alastramento da AIDS, prática de rituais de sangue e criação do “mito do Holocausto”. Logo, o coronavirus seria tão só mais uma das maldades de Israel.

2.  Israel e China assinaram acordos de comércio de alta tecnologia nos últimos anos. A Israel não interessa perder milhões de clientes.

3.  Em Janeiro de 2020, a China assinou com a administração Trump acordos que garantirão centenas de bilhões de dólares para empresas americanas. Assim, os EUA teriam menos motivos ainda para por em risco a nova galinha dos ovos de ouro.

4.  A China, até agora a primeira e principal vítima do vírus, não se pronunciou sobre eventuais responsáveis, sejam estes conspiradores ou não.


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Middle East Media Research Institute (MEMRI)

Reddit: the front page of the internet





quarta-feira, 5 de fevereiro de 2020

A MULHER QUE PEITOU O AIATOLÁ KHOMEINI



Oriana Fallaci (1929-2006), escritora e jornalista italiana, foi uma das mais influentes profissionais da imprensa no Século XX. Natural de Florença, envolveu-se com o ativismo político desde a mais tenra idade. Aos dez anos, participava da resistência ao fascismo e à ocupação nazista da Itália, e por esta razão, foi condecorada pelo exército italiano aos 14 anos.

Não havia nada que “La Fallaci” gostasse mais do que enfurecer aqueles que pensavam ser seus pretensos amigos e aliados. Não deixava pedra sobre pedra: questionava conformistas, emparedava “fascistas vermelhos”, os defensores da Guerra do Vietnã e os apaziguadores da opinião pública.

Feminista, Oriana Fallaci foi também destacada defensora dos direitos da mulher, e nunca abriu mão deste ativismo, sendo um dos seus alvos, o inconformismo que manifestava ao que entendia como imposição da passividade e submissão das mulheres através da Sharia, o código religioso muçulmano.

Em 1979, seguiu para o Irã para entrevistar o Aiatolá Khomeini. “La Fallaci” bombardeou o sisudo líder com questionamentos sobre comportamento ditatorial, despotismo e é claro, sobre a situação da mulher no Irã, detendo-se na obrigatoriedade do véu islâmico, que a jornalista fora obrigada a colocar para entrevistar Khomeini.

“Nossos costumes”, respondeu Khomeini, “não são da sua conta. Se você não gosta da vestimenta islâmica, nossos costumes não dizem respeito a você, porque a vestimenta islâmica é boa e adequada para as mulheres jovens e respeitáveis”.

“Muita gentileza da sua parte”, respondeu Fallaci. “E aproveitando o ensejo, vou tirar esse farrapo medieval e ridículo, agora mesmo”. Fallaci jogou fora o véu e deixou o recinto sem dizer nada.

No dia seguinte, fazendo um dos repetidíssimos discursos com acusações contra o Ocidente, Khomeini, contrariado, mencionará o encontro publicamente, chamando Fallaci de “aquela mulher” e culpando os “inimigos” do Irã por procurarem “ludibriar um punhado de meninas para que tirassem suas hijabs na rua”

Hoje, milhares de iranianas, seguindo “aquela mulher”, estão organizando protestos sucessivos contestando o uso obrigatório do xale, uma mulher que tem nome: Oriana Fallaci.  

MAURÍCIO WALDMAN
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MORE INFO:

Jornal Corriere Della Sera

Chronicles from the Holocene

The Independent’s

http://www.oriana-fallaci.com/